Política

“Governo Rui conseguiu ter uma marca mais forte que Wagner”

Jorge Almeida aponta como um dos reflexos da pandemia do coronavírus no estado o surgimento de “indiferenciação” política entre Rui Costa e ACM Neto

O cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Jorge Almeida, aponta como um dos reflexos da pandemia do coronavírus no estado o surgimento de “indiferenciação” política entre o governador Rui Costa (PT) e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM). Apesar de discordar de algumas medidas adotadas pelos gestores baianos, Almeida avalia que o desempenho deles foi melhor do que o do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “. Do ponto de vista local, (a pandemia) gerou uma certa indiferenciação entre Rui Costa e Neto. Na indiferenciação, eu acho que Neto recuperou um espaço”, afirmou, em entrevista à Tribuna.

Sobre o governo Rui Costa, Almeida avalia que o governador conseguiu construir uma “marca mais forte” de sucesso do que o ex-gestor Jaques Wagner. Ambos são do Partido dos Trabalhadores. “Wagner foi eleito a primeira vez tendo o grande esteio Lula. Quando Wagner foi candidato a reeleição, de novo, o esteio foi Lula. (…) Na eleição de Rui, o esteio principal foi Lula e Dilma. Mais do que Wagner. Se o pessoal do Wagner chegou a essa conclusão é porque tinha consciência que a marca de Wagner não era forte. E Rui conseguiu se reeleger, em grande parte, por conta própria”, declarou.

Ainda na entrevista, o cientista político aposta que a campanha eleitoral deste ano, que é afetada pela pandemia de coronavírus, será “muito nacionalizada”, apesar de ser municipal.

Tribuna – Como o senhor avalia a condução do governador Rui Costa e o do prefeito ACM Neto no combate à pandemia?

Jorge Almeida – Eu acho que, do ponto de vista técnico e medidas de saúde, a atitude do governo do Estado e da prefeitura foi a melhor do que a do governo federal. É melhor do que a do próprio Bolsonaro. Porém, acho que muito problemática. Agora, o governo do Estado está querendo retomar as aulas presenciais, sem a menor condição. Não tem como fazer aulas presenciais sem vacina. É um risco maior que tem (ter aulas presenciais). E tem toda essa polêmica das vacinas sobre qual é a melhor, qual é a vacina que é séria, qual a que vai inocular o vírus, se a russa ou chinesa. Isso, para Bolsonaro, é ótimo porque extraí muita atenção. Do ponto de vista local, (a pandemia) gerou uma certa indiferenciação entre Rui Costa e Neto. Na indiferenciação, eu acho que Neto recuperou um espaço. Lembro que há um ano, antes da pandemia, se dizia: “essa eleição está com Rui Costa. Quem Rui Costa encaminhar está eleito. Não tem para Neto”. Isso começou a rolar desde que Neto desistiu de ser o candidato a governador na outra eleição (2018). Fez uma avaliação, acho que não ia ganhar e recuou. Criou um certo clima de enfraquecimento.

Tribuna – O que pensa sobre a candidatura da Major Denice, que foi lançada pelo governador Rui Costa?

Jorge Almeida – Não será fácil para ele (Rui Costa) emplacar, mas acho que vai crescer muito, por causa da máquina que vai funcionar. Tem interesses dos diversos grupos para manter os seus espaços no governo estadual, e eventualmente ter espaço na prefeitura. Eu acho que a candidatura de Denice ainda vai crescer muito. A disputa não vai ficar como está aí. Considerado isso e o quadro de pandemia, eu acho que vai mudar muita coisa. Mas, de fato, me parece que – uma hipótese que eu levantaria –, apesar Rui Costa de ter feitos muitas obras de volume dentro de Salvador, grande parte das pessoas acham que tudo que é feito em Salvador é Neto. Então, talvez, tenha aí um problema de comunicação.

Tribuna – Além da Major Denice, o senhor observa viabilidade outro pré-candidato a prefeito de Salvador?

Jorge Almeida – Em tese, vai ter uma disputa entre Denice, Isidório e Olívia. Em tese. Isidório tem uma base definida e difícil de ir além. Denice e Olívia vão fazer essa disputa. Olívia fez uma aliança à direita. Pode dar mais recursos materiais e pode fazer com ela vá além de 10%, mas isso vai depender da disputa. Na hora que Denice crescer, vamos ver se ela vai realmente conseguir manter isso. E vamos ter duas candidaturas fora do esquema. Uma mais a esquerda que é de Hilton, do PSOL. E a outra mais a direita que é de Cezar Leite. É a candidatura que eu acho que vai mais procurar encarnar o bolsonarismo. E vai procurar disputar o espaço do eleitorado bolsonarista. E está com fake news a torto e a direita contra o Neto. Estão batendo mais em Neto. Acho que o quadro é mais ou menos esse. Bruno Reis é uma candidatura com uma certa estabilidade no segundo turno.

Tribuna – Qual a sua percepção sobre o governo Rui Costa?

Jorge Almeida – Eu acho que Rui Costa não tem nada de esquerda. A política econômica é atração de grandes empresas capitalistas, internacionais. Antigamente, eram empresas japonesas, Estados Unidos, Europa… agora, são chinesas que estão investindo mais. Reforço ao grande capital do agronegócio. Realizam de grandes obras para atender setores. A política social é limitada, compensatória. O tratamento dos servidores públicos, em alguns casos, se antecipou a Temer e Bolsonaro, em medidas de retirar direitos. O comando do governo é unipessoal. É ele quem manda, e no máximo consulta Wagner. Ele é quem manda. Não tem nem partido, nem PT. É um governo monocrático. As alianças de base na Assembleia, em grande parte, é com deputados bolsonaristas tanto a nível federal quanto estadual. A base do governo de Rui Costa é a base de Boslonaro. A política de segurança pública não tem diferença de outros governos de direita. Não tem diferença do discurso de Bolsonaro. Há uma truculência da Polícia Militar. Se analisar deste ponto de vista sobra o quê para fazer uma análise para dizer que é um governo de esquerda? Eu acho que é um governo de direita.

Tribuna – No que o governo de Rui Costa se aproxima e se afasta no governo de Wagner?

Jorge Almeida – Na essência é a mesma coisa. É uma continuidade. Tem uma diferença que eu acho. Mas eu percebo que ele conseguiu construir uma imagem melhor do que Wagner. Eu fiz uma crítica de que ele deve ter um problema na comunicação em Salvador, porque não consegue convencer as pessoas. Mas, do ponto de vista geral e estadual, ele conseguiu criar uma marca própria mais forte do que a de Wagner. Wagner foi eleito a primeira vez tendo o grande esteio Lula. Lula estava completando o primeiro ano (mandato) de governo. Quando Wagner foi candidato a reeleição, de novo, o esteio foi Lula. Se olhava o horário gratuito de TV, havia mais peso de ser o candidato de Lula do que ser candidato dele mesmo. Ele foi reeleito assim. Na eleição de Rui, o esteio principal foi Lula e Dilma. Mais do que Wagner. Se o pessoal do Wagner chegou a essa conclusão é porque tinha consciência que a marca de Wagner não era forte. E Rui conseguiu se reeleger, em grande parte, por conta própria. Construiu uma marca pessoal mais forte. Me parece que, nas pesquisas, o apoio que ele vem obtendo é maior do que Wagner obteve. Ele teve mais sucesso no marketing – não é só propaganda, mas na comunicação –, com essa história de “correria”. Ele esteve mais presente nas coisas do que Wagner, que é mais lento em termos de estar presente. Mas Rui conseguiu ter uma marca mais forte que Wagner, mas na essência, eu acho que na essência – na política econômica, servidores, segurança – não tem diferença. A diferença é que Wagner foi governador com o governo (federal) do PT, e Rui está enfrentando (a oposição no governo federal).

Tribuna Eu acho que ACM Neto é a velha política. É muito parecida com o avô. E muito parecida com Rui Costa. Muito parecida com Imbassahy. Só não é muito parecida de João Henrique, porque João Henrique foi horrível. Mas tem aquelas ações de João Henrique que tentou capitalizar no final do mandato. É o velho estilo. Do ponto de vista da maneira que ele se comporta, ele procura se apresentar como uma pessoa que não é autoritária, mas que dialoga. Construiu um perfil diferente do avô. E procura se diferenciar do discurso mais extremista, delirante de Bolsonaro, apesar de ser do DEM. Ele é presidente do DEM. Maia está na presidência do Congresso, que está sempre negociando com Bolsonaro. Fica entre tapas e beijos. Então, sob esse aspecto, ele conseguiu efetivamente construir uma imagem mais positiva. Mas, apesar da essência, visa mais atender perspectiva de interesses de grandes empresas, médias empresas que têm vinculação. E também de setores de bairros chamados mais nobres, de classe média.

Tribuna – Como o senhor observa a postura da oposição ao governo Bolsonaro? Os partidos de esquerda não conseguem um bloco coeso.

Jorge Almeida – A minha percepção é de que realmente esses partidos de esquerda estão meio sem rumo. E eu acho que não tem a ver só com a questão política stricto sensu. Tem a ver com problema de programa política, sobre o que fazer com o Brasil. Então, é um problema deste tipo. Não existe nem frente ampla. E nem mesmo de esquerdas, com certo programa. Então, é difícil. É difícil construir uma política propositiva, porque é preciso ter uma proposta alternativa de governo. Eu acho que o PT reconhece de forma genérica os erros, mas na hora H não admite erro nenhum. (Para eles), foi tudo certo. Foi só um problema da direita, sem admitir que a direita conseguiu avançar, com o impeachment de Dilma e a condenação de Lula, porque o governo falhou muito. Tanto no programa econômico quanto na relação social. Permitiu que um discurso de extrema-direita avançasse.

Tribuna – Qual o impacto que a pandemia terá nas campanhas eleitorais?

Jorge Almeida – Essa é uma questão importante. Já fui perguntado outras vezes e não tenho uma resposta muito clara, porque a eleição vai ser dia 15 de novembro. O primeiro turno. No dia 15 de novembro, não vamos ter vacina. Já estamos em 15 de agosto. Faltam 90 dias. É possível que continue diminuindo (os casos), mas vai virar de cidade para a cidade. É uma campanha municipal, apesar de achar que será muito nacionalizada. vai estar muito presente, mas vai ser uma campanha muito realizada nacionalmente. Vai depender muito de como vai estar a situação nesses 90 dias, onde vai diminuir a disseminação do coronavírus. Onde vai aumentar. Onda vai haver uma segunda ou terceira onda. Ninguém sabe direito onde esse vírus se comporta, mas o que está claro é que se comporta se aproveitando de certas políticas de saúde do governo. Abriu chance ele entra. Tudo isso cria uma instabilidade para gente ter uma avaliação maior sobre isso. Então, eu acho que isso é uma dúvida sobre o desempenho. Com certeza, independente da pandemia, as campanhas pelas redes sociais já iam crescer. Vão crescer mais ainda. Serão mais potencializadas. Houve uma antecipação do mundo nessas tecnologias. Muita coisa que estava previsto, em termos de mercado para ser aplicado daqui a um ano ou três, foram antecipada. Eu acho que no caso das eleições, houve uma precipitação. Um aumento disso. Uma dúvida é em que até que ponto haverá uma campanha presencial. Quais os limites sobre a campanha presencial ou a campanha pública? Não dá nem dizer que é pública porque o público está nas redes. Já são mais públicas do que nunca. As redes estão se tornando mais pública do que é. Então, falamos em campanha fora das redes, campanha offline. Não está claro o peso ou o valor que ela vai ter.

Tribuna – As concessões que Bolsonaro têm feito ao centro em meio à pandemia. O objetivo é só barrar um eventual processo de impeachment? Ou tem mais alguma estratégia?

Jorge Almeida – Acho que o principal é isso, mas evidentemente que, se isso perdurar até 2022, ele vai querer ter esse apoio. Mas acho que o principal é impedir o impeachment. Aí foi se juntando o que tem de mais corrupto no Congresso. Já vi alguns questionamentos: qual o impacto que vai ter? Vai ter um impacto em uma parte do eleitorado, mas outra parte não, porque tem uma justificativa. Na época em que Fernando Henrique fez aliança com o DEM na época PFL, dando a vice, muita gente achava que ele seria destruído porque o eleitorado progressista ia abandonar. Quando Lula fez a mesma coisa, também não perdeu (o eleitorado). A tendência do eleitorado é de minimizar, de passar a mão na cabeça dos seus candidatos. Acham que o que fez é para garantir o principal que é a eleição. Depois muito disseram: mas os militares vão aceitar fazer esse acordo com o centrão? Os militares que estão costurando. Eles fizeram acordo. Se for olhar a história da Arena, do PDS, durante o regime militar, a gente vê que militares não têm problema com alianças, acordo com políticos corruptos. Quem era os governadores durante a ditadura militar? A maioria toda envolvida com corrupção. Quem foi o candidato que ganhou a convenção do PSD para ser o candidato a presidência para suceder Figueredo? Paulo Maluf. Então, foi assim que terminou a ditadura. Não tem problemas para eles. Eles são pragmáticos. Não acho que o principal é esse. A outra preocupação seria aprovar as medidas. Só que, do ponto de vista do chamado sistema que envolve a maioria da elite política-jurídica do país, não está interessado em aprovar as leis muito conservadoras, contra a China. Não é isso que eles querem. Querem aprovar as reformas econômicas, neoliberais e garantir os seus lucros. Se fosse pela vontade de Bolsonaro, já tinha destruído tudo da China. Mas não pode fazer poque uma das principais base, que é o setor do agronegócio, mineração, não quer romper com a China. Prefere os lucros do que o discurso ideológico.

Por: Rodrigo Daniel Silva – repórter; Guilherme Reis – editor de política e Paulo Roberto Sampaio – diretor de redação

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