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Ricos em jatinhos levaram Covid-19 para Trancoso

A média de novos casos da doença em Arraial D’Ajuda e Trancoso na segunda semana de 2021 é a maior desde o início da epidemia

Por Anna Beatriz Anjos e Bianca Muniz

Ao longo de 2020, a moradora de Porto Seguro (BA) Firmiana Martins de Jesus Santos, de 64 anos, passou oito meses em quarentena na tentativa de se proteger da Covid-19. Diabética e hipertensa, deixou de trabalhar como cozinheira em um hotel da cidade, mas não conseguiu ficar parada em casa: criou um pequeno negócio de produção e venda de massas artesanais.

Em dezembro, quando a alta temporada de verão se iniciava no município, que tem o turismo como principal atividade econômica, Firmiana decidiu voltar ao trabalho.

Segundo uma de suas filhas, entre seus objetivos estava o de juntar dinheiro para comprar um carro que lhe permitisse entregar seus produtos nas casas dos clientes. “Ela estava animada em trabalhar para ela mesma, porque estava dentro de casa, produzindo, e o dinheiro estava entrando. Porém estava triste porque não conseguia fazer as entregas, não queria cobrar do cliente, mas também não tinha como pagar o delivery”, contou à Agência Pública.

Após retomar o posto de cozinheira do hotel no centro da cidade, no início de janeiro, Firmiana começou a apresentar sintomas de Covid-19 e testou positivo para o coronavírus. Dias depois, passou a se sentir mal e foi levada até uma das UPAs do município, onde ficou internada porque parte do pulmão foi comprometido. Em seguida, veio outra complicação em decorrência da doença, uma isquemia intestinal – basicamente, a redução do fluxo sanguíneo no intestino delgado por conta de coágulos ou trombos, que provocou necrose e, por consequência, afetou funcionamento de seu órgão em cerca 90%.

Agora, Firmiana está sedada e entubada em um hospital público na sede de Porto Seguro, e seu quadro é considerado praticamente irreversível pelos médicos. Embora saibam que seu estado de saúde é delicado, os familiares tentam transferi-la para São Paulo, na remota esperança de que ela faça um transplante de intestino. “Enquanto ela respira, a gente tenta. Não conseguimos ficar de braços cruzados”, afirma a filha. Ela suspeita que a mãe possa ter se infectado no trabalho, pois recebeu notícias de que outros funcionários do hotel também tiveram sintomas.

“Ontem, vivendo essa angústia diária, passei por uma avenida da cidade e vi que as pessoas vão para o bar muito tranquilamente, despreocupadas, destemidas, ninguém com mascara”, desabafa. “A gente sabe que as pessoas precisam trabalhar, que precisam ver girar o dinheiro, mas acredito que com ordem a gente consegue controlar. Não dá pra achar que tudo acabou, simplesmente não usar máscara e fazer as coisas de qualquer maneira.”

Jatinhos e aglomeração

Firmiana vive na mesma Porto Seguro cujas ruas, praias e restaurantes foram palco de aglomerações e cenas de turistas circulando sem máscaras entre o fim de 2020 e os primeiros dias de 2021.

Um mês após a época de festas, nossa reportagem fez um levantamento que indica que a cidade do Sul da Bahia viveu, nas primeiras semanas de 2021, o segundo pior período da pandemia em relação a novos casos de Covid-19. Dados do Ministério da Saúde indicam que a segunda e terceira semanas de janeiro estão entre as quatro piores em média de novos casos, perdendo apenas para a última quinzena de julho de 2020, que teve as maiores médias desde que o coronavírus chegou a Porto Seguro, em março do ano passado.

Aeroporto em Trancoso

Os três mais badalados e famosos distritos litorâneos do município, que protagonizaram vídeos de festas publicados nas redes sociais, também viram a pandemia recrudescer. A média de novos casos da doença em Arraial D’Ajuda e Trancoso na segunda semana de 2021 é a maior desde o início da epidemia, com cerca de cinco e quatro novos casos diários, respectivamente. Já Caraíva atingiu esse patamar na terceira semana de janeiro, com uma média de aproximadamente dois casos por dia.

“A situação das aglomerações tem relação direta com o aumento de casos”, afirma o infectologista Claudilson Bastos, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e secretário da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Ele destaca que, principalmente em ambientes de festa, as pessoas retiram as máscaras e não se lembram de higienizar as mãos com álcool gel, o que acaba facilitando a transmissão.

Fonte: Agência Pública

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