Política

‘Retiraram dos negros a possibilidade de galgar espaço de poder’

Tribuna da Bahia

Primeira mulher e negra a ser pré-candidata à prefeitura de Salvador pelo PT, a major Denice Santiago admitiu que não é uma unanimidade dentro do partido, mas disse acreditar que haverá uma unidade na sigla para defender o seu projeto político. “Longe de mim ser ou querer ser uma unanimidade neste partido. Não sou e é bom que eu não seja. Nós somos pessoas constituídas e formadas com experiências, possibilidades e intenções diferentes. Mas o partido dos trabalhadores e trabalhadoras tem uma característica fundamental, ainda que haja divergência no processo para escolha – onde cada uma vai opinar sobre os seus candidatos ou candidaturas –, depois entende que o grande projeto político que traz é mais importante do que a disputa. A disputa vai até a eleição e a escolha do partido. Feito isso o partido segue único e forte se consolidando como o maior partido de esquerda da América Latina”, afirmou, em entrevista à Tribuna.

Ainda na entrevista, a militar criticou o racismo estrutural que há no país. “Acredito que sim que existe um racismo estrutural que foi sufocador, controlador e levou os homens e mulheres negras a não se espelhar nos espaços de poder. Retiraram dos homens e mulheres negras desse país a possiblidade de sonhar em galgar espaço de poder. Nós estamos fazendo uma reviravolta conceitual muito importante quando trazemos e pautamos de ter uma candidata negra à prefeitura de Salvador”, pontuou. Também na entrevista fala sobre a escolha do candidato a vice, a conversa com os partidos aliados e poupa críticas aos adversários. “(Bruno Reis) é uma pessoa que está na vida pública há um bom tempo e estaremos juntos na disputa, com uma disputa de respeito, coragem para que Salvador escolha o seu melhor ou sua melhor candidata,” declarou.

Ao comentar sua atuação à frente da Ronda Maria da Penha, Denice defendeu que a luta contra a violência doméstica não pode se pautar apenas pelo combate. “Então, nós avaliamos e criamos dentro da Ronda Maria da Penha propostas para fazer o combate à violência doméstica, com viaturas e policiais treinados, mas também com ações de prevenção. Para que a mulher depois de sair do relacionamento abusivo possa ter outro relacionamento sem sofrer novos tipos de violência. Temos que dialogar com homens e mulheres para retirar da nossa cultura essa violência como uma coisa normal e natural”, pontuou.

Tribuna – Como avalia o momento político que vivemos diante da crise do coronavírus? Houve, inclusive, um aumento no número de agressões às mulheres após o isolamento social, uma de suas principais bandeiras…

Denice Santiago – Nós estamos vivendo um momento único na nossa sociedade. Eu acredito muito que essa pandemia está nos fazendo pensar e refletir muito enquanto humanidade, solidariedade e construção mesmo das vivências sociais. Por conta disso, é preciso fazer nascer uma nova sociedade. Vamos pondo à prova diversas questões, temáticas, lacunas da sociedade. Esse panorama que está sendo posto é um cenário muito complexo de dor e nós não sabemos o que vai acontecer. Essa é a grande incerteza agora. Não sou uma mulher de incerteza, mas acredito que essa grande certeza que temos é de que vamos viver momentos de incerteza. A gente não sabe o que vai acontecer.

Tribuna – Na eleição de outubro, o eleitor vai olhar para a maneira como os governantes enfrentaram a pandemia do coronavírus? Isso vai influenciar nas eleições?

Denice Santiago – Primeiro eu não acredito que os governantes que estão fazendo qualquer tipo de trabalho estão pensando em eleições. Ao analisar o posicionamento do governador Rui Costa, vemos uma postura mesmo de cuidado das pessoas. Mas é claro que essas pessoas, depois de sofrerem essa dor, vão analisar quem estava ao lado delas, quem colaborou com elas. As eleições serão novas eleições. Será um momento diferente de reavaliar. Como falei, a gente não sabe o que será de Salvador depois dessa pandemia.

Tribuna – A senhora acredita que a eleição será adiada por causa do surto de coronavírus?

Denice Santiago – O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ainda não se posicionou sobre isso, embora se ventile uma possibilidade de adiamento por algumas semanas. Eu acredito que seja prudente que o momento agora é de combate à covid-19. O adiamento da eleição, se for necessário, precisará ser feito para também possibilitar a todos os pré-candidatos e pré-candidatas da majoritária e da proporcional dialogar com os seus eleitores. Até aproveito que nós precisamos manter o isolamento social, usar máscaras, tudo que a ciência está nos alertando para fazer. Quanto mais obedecermos à ciência mais rápido poderemos voltar à normalidade, se essa normalidade for possível. Agora, tudo é muito incerto. Pensar se a eleição vai ser ou não adiada só o tempo vai sinalizar.

Tribuna – Setores da esquerda pediam em Salvador uma candidatura negra e feminina. Já passou da hora da capital baiana ter uma mulher negra à frente do Executivo?

Denice Santiago – Salvador é uma cidade com 471 anos. Foram 471 anos de história que transformaram essa cidade na maior cidade negra fora da África. É uma cidade desigual, complexa e que nunca possibilitou à maioria da sua população espaço de poder. Eu acredito que é um grande prejuízo histórico. Nós já passamos da hora de ter uma representatividade negra eleita a partir do povo no lugar de prefeita dessa cidade.

Tribuna – A sua pré-candidatura demorou para ser definida no PT e ainda divide a militância do partido. Como avalia? A senhora acredita que vai conseguir a unidade na sigla?

Denice Santiago – Eu acredito muito na formação ideológica, política do partido dos trabalhadores e trabalhadoras. Longe de mim ser ou querer ser uma unanimidade neste partido. Não sou e é bom que eu não seja. Nós somos pessoas constituídas e formadas com experiências, possibilidades e intenções diferentes. Mas o partido dos trabalhadores e trabalhadoras tem uma característica fundamental ainda que haja divergência no processo para escolha – onde cada uma vai opinar sobre os seus candidatos ou candidaturas –, depois entende que o grande projeto político que traz é mais importante do que a disputa. A disputa vai até a eleição e a escolha do partido. Feito isso, o partido segue único e forte se consolidando como o maior partido de esquerda da América Latina.

Tribuna – A senhora não acha que o PT demorou para definir sua pré-candidatura?

Denice Santiago – Eu acredito que nós estamos no tempo certo que teria que ser. Tempo em que foi construída a proposta. Tempo em que o partido fez sua escolha de acordo com a decisão do seu diretório. Então, eu acredito que está no tempo. Ademais, nós estamos vivendo um momento muito de complexo com a covid-19. Não temos que estar pensando, refletindo e idealizando essas eleições que virão.

Tribuna – A senhora já começou a dialogar com outros partidos da base do governador Rui Costa?

Denice Santiago – Nós temos uma coordenação no partido, uma interrelação na construção dessa candidatura. E esse movimento a partir dessa reunião de pessoas. Neste momento, todo o Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras está muito voltado e focado para auxiliar um plano de assistência contra o coronavírus. E eu também estou doando muito da minha energia, ainda que paralelamente eu esteja estudando. Ainda que paralelamente eu tenha compreendido esse meu lugar de pré-candidata, nós estamos muito focados em poder salvar vidas.

Tribuna – Qual o vice ideal para sua chapa?

Denice Santiago – Ainda não refleti especificamente sobre isso. O que eu penso e reflito é que a pessoa que estiver com nós, com o Partido dos Trabalhadores, colocando o seu nome para ser vice-prefeito ou vice-prefeita tem que ser alguém que coadune, compactue com as ideologias que nós pretendemos traçar para Salvador. Assim sendo, será uma vice ou um vice extremamente valioso que estará junto conosco promovendo sabedoria na vida das pessoas dessa cidade.

Tribuna – Qual a leitura que a senhora faz da cidade de Salvador? Caso eleita, quais serão as prioridades?

Denice Santiago – Se imaginar uma casa construída e bonita, mas se é vazia é uma casa morta, apagada. O que faz essa casa ser chamada de lar é quando existem pessoas e as pessoas estão devidamente acolhidas, seguras, protegidas. Então, o que faz uma casa ser um lar são as pessoas que habitam e essas estão felizes e bem tratadas. Eu acredito que isso é que falta a Salvador. Que essas pessoas sejam bem tratadas. Que cada soteropolitano e soteropolitana tenha minimante saúde, que se preocupe na promoção na saúde e não na resolução de doença. Que tenha educação que possibilite a autonomia feminina, possibilite o pensar diferenciado e também reclusão dos nossos jovens e adolescentes partir da primeira infância. Precisa ter habitação, saneamento que deem dignidade à pessoa humana. Salvador precisa em grande escala ser pensada, construída, reorganizada a partir do seu povo, de quem habita nela. Vamos pautar sim o cuidado de gente. Vamos cuidar das pessoas que moram, nasceram e visitam Salvador.

Tribuna – Salvador é uma cidade muito desigual, desigualdade essa que é pautada na questão racial também. Que leitura a senhora faz disso?

Denice Santiago – Esse é um marcador impossível de ser negado. Salvador, embora seja celebrada via turística como cidade negra, vemos que não são esses negros que estão, por exemplo, nos espaços de poder. Daí também essa candidatura é importantíssima para inspirar homens e mulheres dessa cidade. E também fazê-los refletir sobre uma coisa que é importantíssima. O nosso povo não tem que pedir ajuda, mas sim exigir a ajuda. A gente é criada para pedir a ajuda e não exigir direitos.

Tribuna – O que pensa sobre Salvador nunca ter elegido um prefeito negro ou prefeita negra, mesmo a população sendo majoritariamente negra?

Denice Santigo – É interessante essa pergunta, porque vai requerer uma elucubração extremamente interessante. Se for avaliar, existem várias vertentes que podem pautar essa dinâmica. Não vou responsabilizar os homens e mulheres negras por essa não escolha, porque seria uma crueldade dizer que eles que não nos elegeram ou se candidatassem a esse cargo. Mas acredito que sim existe um racismo estrutural que foi sufocador, controlador e levou os homens e mulheres negras a não se espelhar nos espaços de poder. Retiraram dos homens e mulheres negra desse país a possiblidade de sonhar em galgar espaço de poder. Nós estamos fazendo uma reviravolta conceitual muito importante quando trazemos e pautamos de ter uma candidata negra à prefeitura de Salvador. Estamos mostrando a esse racismo, que estrava enraizado nas atividades, que vai comprimir, vai terminar e que nós, homens e mulheres negras, podemos sim nos espelhar nos espaços de poder e fazer um trabalho maravilhoso.

Tribuna – Como avalia a gestão de ACM Neto?

Denice Santiago – O prefeito ACM Neto pautou a sua gestão e tem realizado de acordo com o que planejou e o que ele prioriza. Então, dentro dessa lógica, ele tem feito a partir da prioridade do governo que ele sinalizou. E nós precisamos muito mais.

Tribuna – O que pensa sobre seu possível adversário Bruno Reis?

Denice Santiago – É uma pessoa que está na vida pública há um bom tempo e estaremos juntos na disputa, com uma disputa de respeito, coragem para que Salvador escolha o seu melhor ou sua melhor candidata.

Tribuna – A senhora acha que os dados altos de violência da Bahia podem atrapalhar sua candidatura, já que integra a Polícia Militar?

Denice Santiago – Eu acredito que agrego a essa pauta pelo fato da minha experiência enquanto policial militar e a minha trajetória dentro da Polícia sinalizar o combate a todo e qualquer tipo de violência. Eu pauto os meus estudos no enfrentamento da discriminação racial, do racismo. Eu pauto minha atuação profissional na proteção das mulheres vítimas da violência, especificamente, as mulheres negras que são a maioria nesse cenário de denúncia. Então, eu agrego a essa candidatura essa experiência de quem conhece como fazer segurança.

Tribuna – A senhora coordenou por muito tempo a Ronda Maria da Penha. Qual o balanço que faz da sua atuação e quais os principais desafios no que se refere ao enfrentamento da violência contra a mulher?

Denice Santiago – A Ronda Maria da Penha é uma política pública e tem como função proteger as mulheres em situação de violência doméstica. São mulheres que já denunciaram e terão acolhimento. Se transformou em unidade de referência no país. Consolidamos uma nova forma de fazer política. Só que a violência doméstica contra mulher, que é cultural, não pode se pautar apenas no combate. Então, nós avaliamos e criamos dentro da Ronda Maria da Penha propostas para fazer o combate à violência doméstica, com viaturas e policiais treinados, mas também com ações de prevenção. Para que a mulher depois de sair do relacionamento abusivo possa ter outro relacionamento sem sofrer novos tipos de violência. Temos que dialogar com homens e mulheres para retirar da nossa cultura essa violência como uma coisa normal e natural.Compartilhe    

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