Justiça

Carmem cobra governo sobre ajuda de Abin a Flávio

O despacho de Cármen é a terceira decisão do Supremo que atinge Bolsonaro nos últimos dois dias

Mais uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que contraria interesses do presidente Jair Bolsonaro, a ministra Cármen Lúcia pediu ontem explicações a integrantes do governo sobre orientações que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deu à defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para ajudá-lo a se livrar da acusação de participar de um esquema de “rachadinha” (apropriação de salário de servidores) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e o diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, terão que responder porque advogados do filho do presidente da República receberam orientações do setor de inteligência do governo. Em seu despacho, Cármen classificou como “grave” a suspeita sobre uso de órgãos dos governo para fins pessoais. Segundo ela, a Corte já tem entendimentos consolidado sobre a proibição dessa prática.

O despacho de Cármen é a terceira decisão do Supremo que atinge Bolsonaro nos últimos dois dias. Também ontem, o ministro Edson Fachin suspendeu resolução, assinada pelo presidente na semana passada, que zerava os impostos de importação sobre armamentos (mais informações nesta página). Anteontem, o ministro Ricardo Lewandowski havia cobrado o Ministério da Saúde sobre a previsão de início e término do plano nacional de imunização, entregue pelo governo no sábado.

Cármen tomou decisão com base em um pedido encaminhado ao Supremo pela Rede Sustentabilidade. “O quadro descrito pelo autor da petição é grave. Este Supremo Tribunal Federal afirmou, expressamente, na decisão da medida cautelar, a ilegitimidade de uso da máquina ou de órgãos estatais para atender interesses particulares de qualquer pessoa”, escreveu a ministra. Segundo ela, os ministros já firmaram entendimento de que a Abin só pode fornecer dados quando comprovado o interesse público e sob controle do Judiciário. É proibido, portanto, o repasse de informações de inteligência com objetivo de atender interesses pessoais ou privados.

Mensagens

Na sexta-feira, 11, reportagem da revista Época mostrou que integrantes da cúpula da Abin enviaram para a defesa de Flávio, por meio do aplicativo de trocas de mensagem WhatsApp, orientações sobre como agir no caso Queiroz. O Estadão confirmou a informação. As mensagens foram compartilhadas em formato de dois textos digitados diretamente no aplicativo de celular e não compartilhados como relatórios de inteligência em papel timbrado da Abin.

Um dos textos começa com a frase “Defender FB no caso Alerj”, citando as iniciais de Flávio Bolsonaro e a sigla da Assembleia. O filho do presidente foi denunciado por lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa por, supostamente, ter participado do esquema de “rachadinhas”, operado pelo seu ex-assessor, Fabrício Queiroz. Após dois anos de investigação, o Ministério Público do Rio (MP-RJ) ofereceu denúncia contra Flávio, Queiroz e outros 15 ex-assessores. Em meio a uma discussão judicial sobre o foro de Flávio, a Justiça ainda não aceitou a denúncia.

As mensagens enviadas para os advogados do senador sugerem que servidores da Receita cometeram irregularidades para obter dados do filho do presidente. Se isso ficasse comprovado, seria possível invalidar as provas e livrar Flávio das acusações. Entre as sugestões estavam apresentar um pedido de Lei de Acesso à Informação para colher provas de que o perfil de Flávio foi acessado indevidamente pela Receita e a apresentar uma notícia-crime à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso.

Em outro trecho, uma advogada de Flávio é aconselhada a conseguir uma audiência para “tomar um cafezinho” com o chefe da Receita Federal do Brasil (RFB), José Tostes Neto, para “exigir” informações sobre relatórios internos da Receita.

A troca de mensagens aconteceu após reunião ocorrida no Palácio do Planalto no fim de agosto entre defensores do senador, Ramagem e Heleno.

Em nota, o GSI reafirmou manifestação enviada após a revelação deste encontro e disse que a pasta “não realizou qualquer ação decorrente, por entender que, dentro das suas atribuições legais, não lhe competia qualquer providência a respeito do tema”. “As acusações são desprovidas de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos, que não foram produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência”, afirmou. A Abin disse que o GSI se pronunciaria. A defesa de Flávio não foi localizada para comentar o assunto até a conclusão desta edição

Oficiais e agentes de carreira da Abin relatam desconforto com ações supostamente atribuídas a servidores nomeados por Ramagem. O delegado era chefe da segurança de Bolsonaro em 2018 e ganhou intimidade com os filhos do presidente. Ele foi pivô da crise que culminou com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça Bolsonaro queria emplacar Ramagem no comando da PF, o que o ex-juiz da Lava Jato considerou uma interferência para influenciar nas investigações contra filhos do presidente.

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